Sete anos de guerra por uma camada extra de compota
A história da gastronomia tem uma
mão-cheia de episódios em que alguém «estava no local certo à hora
certa». Acrescente-se a sábia tirada de que «ter sorte dá muito trabalho» e
apercebemo-nos que há situações inesperadas que se transformam em desafios
estimulantes. Foi o que aconteceu em 1832 a Franz Sacher, quando trabalhava
para Klemens Wenzel von Metternich, membro da coroa austríaca. O príncipe
queria surpreender os convidados com alguma coisa nova, num banquete que ia dar
no seu palácio de Viena. Subitamente o chefe de cozinha adoeceu e foi
necessário arranjar um substituto para a delicada missão. Metternich gos¬tava
de mimar os seus ilustres convidados com jantares opulentos, reple¬tos de
iguarias cuidadosamente preparadas no palácio. Além das suas qualidades de
óptimo anfitrião era um diplomata brilhante. Como minis¬tro da Aústria, foi o
artífice político que em 1815 reuniu ingredientes aus¬tríacos, russos e
prussianos, para cozinhar a histórica Santa Aliança, pomposamente servida em
Paris no dia 26 de Setembro.
A habilidade diplomática conjugada com a
boa mesa constituía a fór¬mula perfeita, e Metternich aplicava-a com
inteligência nestas ocasiões especiais. O inesperado foi que a tarefa de
agradar aos exigentes pedidos do príncipe recaiu sobre os ombros de Franz
Sacher, que tinha apenas 16 anos e só trabalhava no palácio há cerca de dois
anos como aprendiz de pastelaria. Com a personalidade austera que o
caracterizava, Metternich deixou um aviso ao rapaz: «Espero que não me faça
passar nenhuma vergonha esta noite.» O jovem franzino não tinha alternativa senão acatar a ordem do soberano. Provavelmente
passou a tarde toda na cozinha a testar receitas e combinações de ingredientes
para estar à altura do desafio e sobretudo para não defraudar as elevadas
expectativas que Metternich criava em volta das sobremesas. O facto é que
Sacher era ainda um adolescente e já enfrentava o maior desafio da sua
curtíssima carreira de pasteleiro. O trabalho valeu-lhe
um golpe de
sorte, ou de génio...
No fim do banquete, enviou
para a mesa um bolo esponjoso de chocolate com compota de alperce, revestido
por uma fina cobertura de chocolate. Era uma pequena ousadia, talvez feita
inocentemente, pois naquela época as sobremesas mais cerimoniosas eram
compostas por vários andares, para darem nas vistas. Neste caso o bolo tinha
uma aparência simples, mas o sabor era refinado e acrescentava um toque quiçá inovador.
A combinação entre o chocolate e a compota de alperce revelou uma ligação
sublime que resultou num casamento perfeito, consumado
no ccu
da-boca dos exigentes comensais. A iguaria recebeu de imediato a aprovação do
príncipe Metternich, que assegurou desde logo que a descoberta do jovem Sacher
seria exclusiva da sua mesa, nomeando-o pasteleiro vitalício do palácio. Nem mais!
O diplomata só viria a
falecer em 1859, mas entretanto o bolo já tinha alcancado prestígio; por isso
Franz Sacher aperfeiçoou a receita que fazia no palácio e decidiu abrir uma
pastelaria em Viena. O êxito da «Sacher- torte» foi tão grande que em 1876 o
seu filho Eduard abriu o hotel Sacher junto à Opera. O nome da
família Sacher passou a ser uma marca na cidade, um feito que poucos têm a
sorte de conseguir, mas que foi conseguido graças ao trabalho de Franz. Mesmo
com a história toda certinha e o autor da criação plenamente identificado, esta
receita também não está isenta de polémica.
Depois de ter sido o
expoente máximo da aristocracia vienense, que deslizava pelos seus salões em
noites de gala, o hotel Sacher entrou em declínio a partir de 1930 com a morte
de Eduard Sacher. Em 1934 morre a viúva Anna Sacher e a falência torna-se inevitável.
Eduard Sacher júnior, filho de ambos e neto de Franz, vendeu o hotel juntamente
com a popular receita do bolo, e os direitos de uso do nome «Sacher» para fins
comerciais. O herdeiro da família Sacher teve de arranjar emprego e foi trabalhar
para a histórica e requintada confeitaria Demel. Em pouco tempo a Demel começou
a vender uma versão da receita sob a designação de «bolo
Sacher do Eduard». Em
1938 foi a vez dos novos donos do hotel ripostarem com a venda do «bolo
Sacher» associado à expressão «o original». A partir daí, os dois estabelecimentos
proclamavam ter a receita original. A disputa deu origem a um processo em 1954
que percorreu as três instâncias da justiça austríaca. Entre os vários
argumentos esgrimidos nas audições, o pomo da discórdia residia na compota de
alperce. O litígio assentava numa deliciosa e filosófica dicotomia. Segundo o
hotel Sacher, a receita «original» levava uma segunda camada de compota, além
da que era espalhada no topo, que era colocada no meio do bolo, após este ser
dividido em duas partes. A Demel contrapunha dizendo que na receita «original»
o bolo não era dividido em duas partes e só levava uma única camada de compota
de alperce, que era espalhada no topo. Depois de uma «guerra de sete anos»,
felizmente mais adocicada que o conflito homónimo de má memória para os
austríacos, o Supremo Tribunal tomou uma decisão insólita.
O acórdão de 1963 deu razão
aos donos do hotel Sacher, que tinham comprado a receita e autorizou igualmente
a Demel a fabricar a sua versão do bolo, mas com uma ressalva. Os juizes exortaram
a confeitaria a deixar de anunciar o produto como «o bolo Sacher original»,
propondo em alternativa que fosse publicitado como «bolo Sacher da Demel». Esta
justiça salomónica permite às duas lojas serem as únicas no mundo com
autorização para colocarem um selo de chocolate no bolo com o nome Sacher, a
atestar que ambas fazem as duas receitas... «originais»!
A contingência da decisão
criou uma espécie de rivalidade insólita. O hotel Sacher, que se considera
legítimo detentor da receita original, tem que lidar com um concorrente que usa
o nome «Sacher» para vender um produto muito parecido com o seu. Por outro lado
a Demel mantém a sua emblemática versão da receita vinda da
família Sacher, mas está «condenada» a publicitar o nome do rival para vender
o bolo com o selo de «autenticidade». Nenhum dos dois deve estar muito
preocupado com isso pois ambos vendem anualmente centenas de milhar de bolos
Sacher. «Alguém ficou pobre no reino da... Áustria?» A resposta à paráfrase de
Hamlet é simplesmente, não. Há quem experimente as duas versões, o que dá ao
negócio a certeza de sucesso que permite manter esta «shakespeariana» dúvida
metódica: «Ter ou não ter - uma camada extra de compota de alperce eis a
questão?»
A Receita:
Ingredientes:
150g de chocolate ralado
1 colher de água
150g de manteiga fresca
6 ovos
150g de farinha
150g de açúcar
Cobertura :
200g de chocolate
70g de manteiga fresca
Recheio:
Compota de alperce
Preparação:
Derreter em lume brando o chocolate ralado( humedecido com a colher de
água),juntar a manteiga fresca e misturar bem.À parte, bater muito bem as gemas
com o açúcar até ficar um creme, misturar o chocolate e por fim incorporar a
farinha e as claras em castelo. Untar uma forma lisa e levar ao forno em
temperatura média. Depois de cozido deixar arrefecer. Para a cobertura,
derreter o chocolate em banho-maria até ficar um creme liso. Misturar a
manteiga quando estiver morno e bater muito bem antes de cobrir o bolo.
De seguida corte o bolo ao ao meio e recheie com compota de alperce e
finalmente por cima, cubra o bolo com compota de alperce(facultativo)e por cima
desta a glace de chocolate e sirva com chantilly.
0 comentários → Bolo Sacher
Enviar um comentário